Dissociação e neurose: um caso clínico

No final de uma sessão de psicoterapia, eu comentei com o cliente que aquela sessão tinha conteúdo interessante para escrever um pequeno artigo e ele me motivou dizendo que gostaria muito ver tal artigo. Nessa sessão, o cliente e eu concluímos que ele teria desenvolvido uma dissociação entre seus sentimentos e sua fala ou discurso para prevenir possibilidades de sofrimentos intensos. Esses sofrimentos entrariam no campo das possibilidades, entretanto temia muito o potencial de grande intensidade de dor a partir de vivencias de emoções causadas pela frustração, decepção, abandono e traição de pessoas próximas e em geral. Então desenvolveu a capacidade de demonstrar, por exemplo, que estava muito alegre e tranquilo na presença de pessoas quando percebia que essas pessoas poderiam causar-lhe tristeza e ansiedade. Revelar e mesmo vivenciar sentimentos dolorosos parei tanto.  e . pois assim nesses momentos estaria mais vulnerável ao poder do outro em fazê-lo sofrer. Então preventivamente ele desenvolveu certa capacidade de pouco sentir seus próprios sentimentos. Entretanto, essa capacidade lhe gerava angústia acumulativa por não esvaziar seus sentimentos além de rompimentos prematuros de relacionamentos pelas frustrações causadas as pessoas e nele mesmo.

O cliente relatou que estava vivendo ultimamente com mais tranquilidade e felicidade depois que iniciamos a psicoterapia. Considerou que a psicoterapia ajudou-lhe a organizar as ideias na medida em que procurava expô-las nas sessões. Disse que já na primeira sessão, quando ele relatava para mim suas questões, parecia para ele, que eu conseguia sentir muito bem a intensidade e a qualidade das emoções do que estaria envolvido e isso, lhe causou fortes emoções. Pois, ao percebê-las em mim, as recebeu de volta, sentimentos e emoções, que originalmente deveriam ser dele próprio. Então formulamos a hipótese que a partir de então ele teria redescoberto sua conexão com o deixar sentir os sentimentos e emoções e assim estaria mais em paz consigo mesmo. E disse interessantemente como se não necessariamente acontecesse em todos os casos: “Pelos menos comigo, a psicoterapia está funcionando, eu vou continuar”.

Considerei interessante escrever este relato, pois ele me pareceu ser mais uma demonstração da eficácia de forma muito clara e evidente da teoria na prática psicoterapia Centrada Pessoa. De acordo com a teoria centrada¹, os neuróticos seria aqueles que no passado reagiram a situações psico-sociais adversas se dissociando da percepção autêntica da experiência em prol da autopreservação e, a partir de então, adotaram essa dissociação para desenvolver autoconceitos e modelos de existência. Desse modo, estariam de certa forma alienados à experiência vivida, havendo um divorcio entre a experiência e a representação da mesma. Consequentemente, esses indivíduos perderiam a tranquilidade, a autoconfiança e a eficácia e, sofreriam de angustia e perturbações psíquicas variadas por falta de referencial próprio. Então, relacionando essa teoria com o relato acima de cliente, parece haver plena e explicita correspondência.

¹ Rogers, Carl R.; Kinget, Marian; Psicoterapia & Relações Humanas; 1ª ediç., vol.1, pgs. 49 e 50; Interlivros de Minas Gerais Ltda; Belo Horizonte, MG, Brasil; 1975.

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2 respostas

  1. Rodrigo,
    Tenho lido os artigos e esse em especial me chamou atenção. O que você relata é o que todos hoje membros de uma sociedade multidinamica e individualista passam. As pessoas se neutralizam e por isso sofrem também com medos e traumas. O dia a dia esta voltado para o trabalho e muitas vezes deixamos nossos sentimentos abafados para lidarmos com a cobrança profissional e o dia a dia competitivo.
    Parabéns..
    Abraços
    Veruska Miranda

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