O outro no desenvolvimento humano

Nossa capacidade de autocompreensão e de compreensão do mundo é obviamente muito limitada quando estamos começando a vida no útero materno e logo após nosso nascimento. Nessa fase do desenvolvimento humano, o tempo ainda é insuficiente para o ser desenvolver sua potencialidade de compreensão dos ambientes interno (o próprio corpo) e externo, da mesma forma que é para o desenvolvimento do controle de mobilidade de nossos membros superiores e inferiores (braços, mãos, pernas e pés). Parece que os seres humanos nascem com menor autonomia e são menos “pré-programados” do que a maioria dos outros animais. No caso dos humanos, quase toda a programação para a sobrevivência e o desenvolvimento é feita depois do nascimento e o aprendizado do bebê é principalmente via observação e imitação de outros humanos. Em outras palavras, o bebê humano apreende a ser humano pelo modelo de humanidade que lhe é apresentado nessa fase da vida. Nesse processo, primeiro o bebê observa para depois procurar fazer igual ao que compreendeu que os humanos fazem, ou seja, fazendo imitação do que compreendeu.

Entretanto, considerando o processo assim descrito, como o bebê se guia no sentido de um bom aprendizado para se formar como um ser humano? Como saberia se está cada vez se aproximando ou se afastando do modelo humano de ser? Uma hipótese de resposta do que baliza o bebê, para saber se está na direção certa, seria a compreensão (por ele mesmo) de que está sendo compreendido pelos seres humanos mais próximos (país e cuidadores). Ser bem compreendido significaria estar indo na direção de ser um ser semelhante aos outros humanos. Assim, seria o fato de outras pessoas nos compreenderem um parâmetro fundamental, como placas sinalizadoras de direção para nosso desenvolvimento no sentido da construção do nosso ser como humano. A partir dessa ideia de modelo de desenvolvimento humano na primeira infância, é natural presumir que, sendo o processo bem sucedido, os adultos humanos continuariam a usar esse modelo, pelo menos de forma semelhante, para progredir e atingir o máximo de seu potencial de desenvolvimento. Para tanto, naturalmente, o ser humano precisaria estar sempre em comunicação interativa com outros humanos e ainda precisaria que os outros humanos compreendessem o modo que ele próprio compreende a si mesmo e ao mundo, em cada um dos momentos de sua vida. Dessa forma, seria a percepção de cada um de que outros humanos conseguem compreendê-lo o ponto de partida e de segurança que cada indivíduo teria para avaliar se sua compreensão é razoável para entender tanto a própria realidade interna quanto externa do ponto de vista de um humano normal. Essa compreensão pelo o outro funcionaria como uma bússola para o desenvolvimento do ser como humano normal e mesmo para alcançar o potencial máximo como individuo.

Uma vez que a função da psicoterapia é ajudar no autodesenvolvimento e na cura e, considerando que quando o ser humano está impossibilitado de desenvolver todo o seu potencial a cada momento, ele estará em sofrimento ou doente, como nos alertou Abraham H. Maslow, um modelo de psicoterapia eficiente seria aquele que se aproximasse desse processo natural de desenvolvimento humano como o descrito. Assim, o papel do psicoterapeuta deveria ser o de procurar entender como é a compreensão do seu cliente a respeito de si mesmo e do mundo e comunicar de volta como percebe a compreensão dele. Então, de forma similar ao modelo natural de desenvolvimento humano, a compreensão do psicoterapeuta, que pode ser chamada de empática, iria promover, junto ao cliente, autodesenvolvimento e autotratamento curativo. A psicoterapia, assim, estaria contribuindo para o cliente aprimorar sua compreensão de si próprio e do mundo que o cerca e seu autoconceito e, consequentemente, suas condutas. Esse fenômeno ocorreria à medida que o psicoterapeuta conseguisse indicar ao cliente que o compreende bem no estágio atual de sua autocompreensão e entende a maneira que ele percebe o mundo. Essa indicação ajudaria o cliente, como se fosse uma autorização ou uma base de segurança para partir e retornar, a progredir em relação ao estágio atual e, assim, com segurança, avançar e ir além, no sentido da cura de sofrimentos e do desenvolvimento pleno.

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12 respostas

  1. Olá Rodrigo! Bem interessante seu artigo… mas acredito que mais do que a compreensão, a ACEITAÇÃO deste pequeno ser que chega ao mundo – por parte da família, da sociedade e da cultura em que o mesmo está inserido – contribui incrivelmente para que ele sinta que está no caminho certo do “modelo humano de ser”. E por incrível que pareça, essa “aceitação” tem ligação com a Psicologia Comportamental, pois o que faz um bebê ser aceito enquanto pessoa é a aceitação de uma série de comportamentos emitidos por ele e que são reforçados pelos pais e pela cultura/sociedade na qual ele está inserido. Ao ter seus comportamentos humanos reforçados, eles são repetidos e aprimorados cada vez mais, tornando-se cada vez mais “humanos”. Por outro lado, quando uma mãe aplaude os primeiros passos de seu bebê, ela não só está reforçando este comportamento – andar – como também está fazendo seu filho se sentir compreendido e amado. Reforço positivo… compreensão empática… aceitação… não estará tudo interligado?! Um abraço, Sarah

  2. Parabéns por conseguir colocar em uma linguagem coloquial conceitos complexos e profundos sobre empatia, auto compreensão e desenvolvimento humano. Senti falta da inclusão dos neurônios espelho em sua função essencial para esta capacidade de compreensao don outro (tema que teenho estudado). Rogério Buys, do CPP, estudioso de Kant, como fundamento principal da ACP, vai gostar de ler seu texto.
    Bjs/Marcia Tassinari

  3. Muito interessante a reflexão! Mas de nada adianta empatia, aceitação,e outras condições facilitadoras, por parte do facilitador, se o resultado final não for a conquista da autonomia, pelo cliente, a saída da rigidez para a flexibilidade. Quanto ao aprendido, quero dizer que o comportamento é adquirido, mas a mera reprodução de comportamentos nos feriam meros reprodutores. Somos serer atuantes, por mais que estejamos “amarrados” em nosssos próprios “laços” existenciais.
    Abraços

  4. Caro Rodrigo, gostei de seu texto! A mim ele ajudou a compreender melhor a importância da filosofia na vida da gente. Crescer não deixa de ser também desenvolver uma filosofia, isto é, uma compreensão mais complexa de si e do mundo. Sinto isso. Eu pessoalmente preciso de filosofia e fico muito contente quando sou compreendido em minhas filosofias. Essa compreensão me faz ir pra frente, é como se abrisse o caminho que de outra forma teria que ser rasgado à força (coisa que poucos conseguem, creio).
    Um abraço, Mauro Amatuzzi

  5. Gostei muito de onde voce partiu e onde voce chegou. Muito interessante seu percurso. Um resumo consistente do nosso trabalho como terapeutas da ACP. Um abraço
    Maria do Ceu L Battaglia

  6. Olá Rodrigo Boa Noite! Muito enriquecedor o texto desenvolvido.Penso que cabe acrescentar que o ego se constitui no corpo e se desenvolve a partir do nascimento, as respostas corporais se transformam de quantitativas para qualitativas e os mecanismos de defesa vão surgindo a partir da relação com o outro, ou seja, você se defende de algo que você viveu e ficou.O seu texto nos mostra o quão importante é o trabalho do psicoterapeuta e que força de vontade egóica não dá conta dos nossos conflitos mais sombrios.
    Um grande abraço, Lamara de Abreu Rocha.

  7. O artigo “O outro no desenvolvimento humano”, que relata através de uma linguagem clara, conceitos complexos sobre desenvolvimento humano e autocompreensão, é uma boa maneira de entendermos o quanto é essencial o papel do cuidador junto à criança. Reforço de comportamento positivo, carinho, amor, são alguns dos ingredientes para nortear um caminho “certo” no futuro do pequeno ser. Parabéns ao psicólogo Rodrigo pelo artigo, gostei muito e por isso, resolvi publicá-lo no meu espaço.
    Angellyca Ramos

  8. Ei Rodrigo!Gostei do seu artigo e estou achando muito bom o seu empenho para escrever vários artigos sobre temas tão diversos,sob a luz da ACP e humanismo. Podemos aproveitar isso para um dos eventos do GRUMPSIH durante este ano. Que tal?
    Abraços, Rita Dias

  9. Olá, Rodrigo.
    Muito esclarecedores os seus artigos. Ainda estou no início da faculdade e alguns textos são quase obscuros quanto ao entendimento, mas você escreve de maneira clara e inteligente!
    Abraços! Bruna S. Oliveira

  10. Oi Rodrigo! É bem interessante essa visão de cada um sobre temas clássicos da Psicologia Humanista. Isso nos faz refletir novamente e saber que esta “visão Humanista” do desenvolvimento humano pra mim é muito real no atendimento aos meus clientes no consultório. Acredito e comprovo cada vez mais esta visão na prática clínica. Obrigado e um abraço. Concordo com a Rita que devemos levar estes temas para as reuniões do Grumpsih.
    Christiane Alvarenga

  11. Excelente rodrigo, soy Operadora terapeutica en adicciones y estoy en contacto diario con jovenes que no han podido desarrollarse en un entorno faborable,y ese desarrollo social,humano del que hablas se contruye con el otro,ampliando al maximo suinsrcion social. Gracias y seguire leyendo tus art. Laly Avalos

  12. Gostei muito do artigo! A psicoterapia tem uma função encantadora, que é a de acompanhar alguém na sua própria descoberta. Descoberta, que como bem sabemos não é linear nem fácil. Existem muitas variáveis a determinar o processo de auto-conhecimento. Entender que a natureza humana é realmente muito rica, diversa e construída na relação com os outros. Os outros são a nossa bússola mas também o nosso espelho. Na pluralidade que são os outros encontramos/construímos a nossa singularidade. Mediar razoávelmente estes dois sentimentos (individual, coletivo) que sistematicamente se fundem, é senti-los serenamente, é aplicá-los coerentemente nas relações da vida, e porque só vivemos verdadeiramente quando em relação com o outro”. Lucy Lula

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