Ouvir o outro é bom para os dois

Às vezes, recebo em meu consultório pessoas muito deprimidas, desorientadas e perdidas em suas próprias vidas. Podem ser pessoas viciadas em drogas, que até tenham tentado suicídio e já estejam sob tratamento psiquiátrico. Nessa condição, elas podem apresentar olhar vidrado, movimentação e fala letárgicas e prostração. Nesses casos, muitas vezes, a pessoa fala pouco e, quando fala, é repetitiva, pois geralmente está com pensamentos fixados em acontecimentos dramáticos, reais ou imaginários de sua vida e numa perspectiva negativa para encontrar boas saídas ou soluções.

Nessas horas, costumo me perguntar, em pensamento, “e agora, o que eu faço?”, e a resposta não pode ser outra: “se vira nos cinquenta!” (o tempo da minha sessão é usualmente de cinquenta minutos). Então, para ajudar a pessoa a sair do seu silêncio ou da repetição, uma das possibilidades é fazer perguntas fora do contexto de seu drama principal, por exemplo, perguntas sobre a infância e adolescência dela. No entanto, muitas vezes, ela continua repetindo histórias, e então eu procuro insistir nas perguntas para fora do centro mais dramático e dolorido do momento. Assim, na periferia dos problemas, às vezes encontro alguma brecha, alguma alegria na tristeza, alguma coisa que lhe seja agradável e a faça desejosa de acontecer, ou alguma coisa que goste de fazer. E, achar alguma alegria, um alento para vida ou qualquer coisa positiva na periferia dos problemas, pode ser como achar uma brecha de luz na escuridão ou abertura para a esperança de dias melhores.

A partir de uma ou mais brechas encontradas, posso improvisar e propor à pessoa um plano de recuperação gradativa para ela voltar a desfrutar da vida e fazê-la valer a pena. Uma possibilidade de plano de recuperação, que ajuda a pessoa a se desfocar dos problemas atuais e sofrimentos próprios, pode ser a proposta de começar a ouvir mais os outros do que falar de si mesma. Seria propor ao cliente conversar mais com as pessoas disponíveis, mas não para falar de si mesmo, e sim para perguntar sobre a vida delas e se interessar por qualquer coisa que as outras pessoas dissessem. Ouvir o outro e entrar no mundo do outro, alivia-nos do peso do nosso mundo e, além disso, o outro gosta. Digo isso porque é exatamente o que acontece comigo mesmo, como psicoterapeuta.

Se, ao final da sessão, o cliente demonstrar, mesmo que discretamente, algum alívio de seu sofrimento ou alguma ponta de esperança, pode ser que aquela sessão tenha sido produtiva e tenha contribuído no sentido da recuperação da saúde e felicidade do cliente.

Confira outros Artigos

ARTIGOS MAIS COMENTADOS

2 respostas

  1. Uma vida plena é uma vida de serviço. Servir o outro engrandece o ser humano. A sua prática contribui para aumentar nas pessoas o interesse pelo seu próximo, resgatando a solidariedade, um valor em extinção. Tenho muito orgulho em ser tua amiga. Obrigada pela partilha.

  2. Querido amigo. Fico tão orgulhosa de ver vc brilhar na profissão. E feliz porque sei que contribuí um pouco para a sua escolha. Te admiro e desejo que vc sempre cresça. Um beijo da amiga.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *